Cuidado e educação são assuntos polêmicos, não há como indissociá-los num ambiente como a creche, "ao cuidar ou descuidar do outro, estamos colocando-o em certa posição, dando-lhes certos sentidos, os quais contribuem para construí-lo como pessoa." (Rossetti-Ferreira, 2003, p. 10). Quando a criança é alimentada, precisa tomar banho, dormir ou ser medicada, são situações que soam como mero assistencialismo, requerendo uma dinâmica um tanto mecânica e prática vista por alguns como pouco importante; no entanto, são nesses momentos em que se instiga a criança a ser autônoma, responsável, ativa, interagindo com os demais. É a identidade da criança que está se formando, e as atividades diárias são participantes deste processo, pois muito da cultura do grupo é transmitida nesses momentos.
O viés seguido na dinâmica diária de uma creche relaciona-se com cuidado e educação. Cada sala, cada grupo e cada educador possui sua maneira de conduzir essa dinâmica. Quando a criança é remanejada da turma, o novo educador precisa ter maior atenção pois além de estar num novo ambiente, a maneira como se é cuidado e educado diferem.
O olhar estabelece uma troca de sentimentos de confiança (ou desconfiança), manifesta carinho e compreensão, (ou indiferença e raiva), desperta entusiasmo e alegria (ou inibe e amedronta); o toque da mão do adulto pode transmitir segurança ou medo, entrega ou retraimento (...) o ato de dar banho, trocar a fralda, vestir e pentear o cabelo são gestos de comunicação humana entre o adulto e a criança nos quais há uma troca profunda de sentimentos e, portanto, de organização mental, de estruturação interior, de formação da auto-imagem, (...) o modo como se encara de birra, de desagrado, de curiosidade das crianças, como se busca a superação de comportamentos de 'agressão' e como se promove a interação social determina o tipo de educação que se está dando a elas; a fala do adulto inicia a criança na linguagem, pois vai dizendo o que ela faz, o que as outras estão fazendo, o que sentem, e, assim, vai mediando os atos por meio da linguagem. Não há um conteúdo educativo na creche desvinculado dos gestos de cuidar. Não há um ensino, seja um conhecimento ou um hábito, que utilize uma via diferente da atenção afetuosa, alegre, disponível e promotora da progressiva autonomia da criança." (Didonet, 2003, p. 9)
Nas situações em que a criança interage com o adulto de referência e com as demais crianças transparece o caminho para a inclusão dela na nova turma. Observá-la com atenção, convidá-la para ingressar e interagir com os pares em situações simples como ajudar a organizar os livros na estante, guardar os brinquedos numa caixa, arrumar os talheres e pratos na mesa, ajudar no banho de outra criança, enfim, dependendo da idade da criança o educador pode encontrar inúmeras maneiras de construir com o novo membro do grupo um ambiente acolhedor e capaz de incluí-lo verdadeiramente, não somente integrá-lo.
Mittler aponta uma grande diferença entre integrar e incluir. Utilizamos equivocadamente essas duas palavras como sinônimos. Integrar comporta um conceito de prontidão, ou seja, estar apto a algo para "passar a diante". Incluir refere-se a mudanças que envolvem tanto o currículo bem como a dinâmica pedagógica dos educadores. De nada adianta um preparo com o intuito de integrar a criança no novo grupo se este novo grupo não considerar todas as mudanças que ocorrerão com essa criança. Essas mudanças podem trazer muitos sentimentos diferentes, como ansiedade, medo, tristeza, frustração ou culpa caso não sejam compreendidas.
A criança nesse novo momento poderá se sentir mais segura com objetos particulares como chupeta, ursinho, fralda para segurar na mão, etc. Pode chorar durante bom tempo ou em determinados momentos, isolar-se do grupo e brincar sozinha, fugir para a sala anterior ou pedir colo. Essas situações requerem um certo preparo do educador, que muitas vezes acredita que tudo isso que acontece com a criança seja manha para chamar a atenção.
Os momentos de acolher, dar colo, carinho e atenção podem soar ao educador como puro assistencialismo, sem conteúdo educacional. No entanto, enquanto eu acolho há um envolvimento tanto emocional como verbal.
"É com o olhar do outro que nos comunicamos com nosso próprio interior. Tudo o que diz respeito a mim chega a minha consciência mediante a palavra dos outros, com sua entonação valorativa e emocional. Do mesmo modo como o corpo da criança inicialmente se forma no interior do corpo da mãe, a consciência do homem desperta a si própria envolvida na consciência alheia." (Oliveira apud Backtin, 1985, p. 27.)
Durante o acolhimento de uma criança há interação verbal, onde o educador expressa através da fala palavras que possam trazer à criança um sentimento de conforto, compreensão. A linguagem, a interação entre sujeitos através da fala em qualquer momento dentro da creche, está vinculada a questões educacionais. Não há como fragmentar a assistência e educação neste ambiente. Não há como acreditar que o trabalho do educador que presta assistência é inferior àquele que educa, porque ambos os trabalhos são indissociáveis. As crianças que não freqüentaram creches ou jardins-de-infância vão para a escola para serem educadas? Elas chegam à escola nulas de educação?
Acreditamos que a questão da assistência é considerada inferior à educação por questões ideológicas produzidas na nossa sociedade. Muitas vezes esta diferença se faz entre os próprios educadores, menosprezando o trabalho de uns e enaltecendo o de outros.
Cuidar e educar são elementos indissociáveis e possibilitadores de inclusão. A maior parte do dia-a-dia de uma creche está centrada em momentos práticos e de assistência por questões de direitos prioritários à infância, como alimentação, higiene, descanso e momentos de lazer onde as brincadeiras ocupam seu lugar. Seremos educadores que acreditam que durante esses momentos não há nenhum conteúdo ligado à educação? Seremos educadores que acreditam que os momentos de lazer, onde as brincadeiras infantis se evidenciam, são situações que acontecem porque as crianças não tem outra coisa para fazer?
Todas atividades diárias que surgem na creche, a própria rotina apresentam ligações com conteúdos educacionais. Desde a orientação de como se portar à mesa até a construção de uma brincadeira coletiva no parque.
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